jeudi 8 avril 2010

I. Introdução: Noção de Direito Processual Civil

UNIVERSIDADE DE BELAS

LIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Por Azancoth Ventura


I. INTRODUÇÃO

1.1 Noção de Direito Processual Civil

De um modo geral podemos afirmar que o direito processual civil constitui a aplicação prática do direito civil no quotidiano forense. É o ramo do Direito Público funcionalmente destinado a integrar o direito civil.

Sendo o direito civil/Privado[1] o conjunto de normas reguladoras das relações jurídicas estabelecidas entre particulares entre si ou entre os particulares e os entes públicos, desde que estes estejam despidos do ‘ius imperii’ ou poder de soberania.

No direito civil (obrigações, reais, família, comercial...) existe sempre uma correspondência entre um direito e um dever, ou seja, se uma das partes da relação jurídica possui um direito, necessáriamente a outra terá um dever correlativo. A todo o direito corresponde um dever correlativo. Se A é credor de Akz 1.000.000.00, B será devedor de Akz 1.000.000.00.

No caso de inadiplimento, isto é, se B não cumprir a sua obrigação, o direito civil (material ou substantivo) isoladamente não conseguirá solucionar a situação concreta. Surgindo assim uma questão: como aplicar as normas do Direito civil aos casos concretos?

Haveria duas hipóteses de o fazer, ou através de um sistema de justiça privada (sistema de autotutela), ou então através de um sistema de justiça pública (sistema de heterotutela).

Num sistema de justiça privada (sistema de autotutela), a aplicação da justiça, ou melhor a tutela dos direitos concedidos pela ordem jurídica ficaria a cargo dos particuláres. Em última análise, neste sistema haveria a faculdade do sujeito lesado, pela sua própria força e meios, impor ao caso concreto a solução preconizada pelas normas de direito civil.

Este sistema foi muito utilizado nas comunidades primitivas, mas inadequado para as comunidades hodiernas, pois muitas vezes a força e o poder não se encontram necessáriamente do lado daqueles que possuem os direitos violados ou que actuaram de acordo com a lei, portanto a aplicação da justiça por mãos próprias mais facilmente conduziria à violação dos direitos do que a concretização da justiça.

Por outro lado, sendo que o lesado não é uma parte isenta na lide, a aplicação do justiça por si, levaria a excessos, isto é, violaria um dos princípios basilares de justiça que é o princípio da proporcionalidade[2]. Referimo-nos a proporcionalidade entre a sanção e a infracção ou lesão causada.

Este sistema de justiça privada, por poder violar um igrediente basilar da justiça que é a proporcionalidade, possibilitaria a aplicação de penas injustas, fazendo com que o sistema falhasse com um dos fins últimos do direito que é o asseguramento da paz social e a reposição da órdem jurídica, conduzindo assim a uma multiplicação e agravamento dos conflitos entre os particuláres.

Devido a esta dupla razão, o nosso ordenamento jurídico não admite o sistema de justiça privada (art.º 1º CPC), permitindo excepções bastante apertadas, na ressalva que o mesmo artigo faz ‘in fine’: ‘salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei’, referindo-se às situações em que o recurso às outoridades públicas não seja viável (art.º 336º, 337º e 339º CC).

No sistema de Justiça pública (sistema da heterotutela), não significa que no caso de conflito entre os particulares sejam os tribunais a promover “ex officio” à acção. Não é o tribunal que por sua própria iniciativa, sem que a parte lesada nada faça dá início ao processo (princípio do dispositivo).

No direito civil é ao particular que recai o ônus[3] de promover e impulsionar a acção. Se o particular não der início à acção, não o fará o tribunal por iniciativa própria. O tribunal tem o jus dicere ou jus dare i.e. o poder não de fazer a lei, mas sim expô-la ao caso concreto.

Ao sujeito que requer do tribunal a providência (que intenta a acção) dá-se o nome de autor, demandante ou requerente e a pessoa contra quem a providência é requerida dá-se o nome de réu, demandado ou requerido.

De acordo com o artigo 3º, para que o conflito seja resolvido não basta que o tribunal tome conhecimento das razões do queixoso. O tribunal derevá conceder à contraparte o direito de se defender deduzindo oposição (princípio do contraditório).

Ao lesado cabe o direito da acção e ao demandado o direito de defesa. O autor propõe a acção e o réu defende-se, seguido de um subsequente conjunto de actos até que o juíz chegue a uma conclusão. A forma como os actos subsequentes se desenvolvem não é arbitrária, mas sim seguem regras e ao conjunto destas regras constituem o Direito Processial Civil.

Assim sendo, “Processo Civil é o conjunto de normas reguladoras dos tipos, formas e requisitos da acção civil, bem como as formalidades que devem ser observadas em juizo na propositura da acção.” Prof. Antunes Varela.
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[1] Fruto da ‘summa divisio’ que faz trespassar uma linha divisória estabelecendo de um lado, um direito público e do outro um direito privado. Chama-se direito Privado o conjunto de normas que regem a relação entre indivíduos (pessoas singulares ou colectivas) e o Estado.
Desde este ponto de vista caem na alçada do Direito Público o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Penal.

Muito genericamente falando, endende-se por Direito Privado como o ramo do direito que regulam os fenómenos jurídicos que afectam as relações entre indivíduos entre si ou grupos sem a intervenção do estado.

Há uma grande discussão na distinção entre direito público e privado, as teorias mais sonantes são as que se seguem:

Teoria do Interesse (Interest theory): De acordo a esta teoria, defendida pelo jurista romano Ulpiano, o direito público rege as questões de interesse público. Esta teoria pode ser criticada pelo facto das questões de direito privado poderem afectar o interesse público.

Teoria da Sujeição (Subjection theory): que enfatiza a distinção entre Direito Público e Direito Privado na subordinação das pessoas privadas ao estado (é suposto que as normas do direito público os sujeitos estariam numa situação de supra-infra ordenação ao passo que nas normas de direito privado os sujeitos estariam numa situação de paridade. Porém esta teoria peca no facto de areas comumente consideradas do direito privado haja ainda uma situação de subordinação, v.g. Direito do trabalho onde há uma situação de subordinação do empregado em relação ao empregador.

Teoria dos Sujeitos (Subject theory): considera direito público o que regula as atribuições , direitos e deveres das autoridades públicas. Esta teoria cai em terra, pois o estado, os entes públicos podem contratar-se (contrair direitos ou obrigações) no âmbito do direito privado.

Combinação entre a Teoria da Sujeição e a Teoria dos Sujeitos (Teoria Híbrida ou Ecléctica): esta teoria traz uma posição mais defensável. Desde este ponto de vista, considera-se do direito público quando:
- Um dos actores é uma autoridade pública dotada do poder de autoridade (jus imperium), e
- Esta actor usa do referido imperium na referida relação particular.

De acordo com a última teoria há áreas do Direito em que há uma autêntica mistura, i.e. partes regidas pelo direito público (ex.: actividades de inspecção das actividades laborais, segurança no trabalho, etc) e partes regidas pelo direito privado (ex.: contrato de trabalho).

Esta diferenciação é principalmente um debate académico, porém tem implicações de órdem prática uma vez que permitem determinar o tribunal competente para dirimir determinado litígio.

[2] Princípio da proporcionalidade, um principio transversal em diferentes ramos do direito, egundo o qual não se deve tomar qualquer acção que exceda o que é necessário para alcançar determinado objectivo.

[3] Do latim ónus,eris (carga, peso, encargo, fardo), trata-se do dever, encargo ou obrigação que um determinado sujeito tem de adoptar certa conduta para fazer valer seu direito ou afastar qualquer encargo ou efeito danoso na sua esfera jurídica.
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Bibliografia

Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1986
António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, 10ª Edição, Almedina, 2008

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