lundi 19 avril 2010

Interpretação, Integração e Aplicação da Lei Processual no Tempo

UNIVERSIDADE DE BELAS
LIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Por Azancoth Ventura






I. INTRODUÇÃO


1.4 Interpretação da Lei Processual

Existe o velho aforismo jurídico segundo o qual ‘in claris non fit interpretatio’, para as situações óbvias não é necessário interpretações, não complicar o óbvio. A necessidade de interpretação nasce da possibilidade de determinada norma poder ter mais do que um sentido. Tal como qualquer outra norma, as normas do Direito Processual podem ter vários sentidos. Assim sendo, é importante estabelecer aquele que deverá prevalecer. Para que exista certeza em Direito é necessário estabelecer critérios uniformes de interpretação das normas jurídicas.

Portanto, interpretação é o procedimento lógico através do qual se obtém o significado, o conteúdo e o alcance das normas jurídicas.

O Processo Civil não contém uma alguma disposição que contenha critérios para interpretar suas normas, não há artigo nenhum que de modo exclusivo especifica o modo de interpretação das normas processuais.

Assim sendo, para interpretarmos as normas processuais, devemos fazer recurso as regras estabelecidas no direito civil, comum e subsidiário constantes do artigo 9º CC.[1]

Segundo o artigo 9º CC, a ainterpretação contém dois elementos fundamentais: a letra (quod script est) e o espírito (ratio legis), não descorando os outros elementos como são o pensamento do legislador (mens legislatoris), as circunstâncias do momento em que foram elaboradas e do tempo em que são aplicadas, etc.

Com base nos elementos de interpretação podemos ter 3 tipos de interpretação[2]:

DECLARATIVA: que verifica-se quando o sentido da lei cabe dentro da sua letra. O legislador disse o que exactamente queria dizer. Há uma conformidade entre o que se disse e o que se queria dizer. Dixit tantum quanto voluit.

EXTENSIVA: nesta situação o interprete percebe não existir uma coincidência entre o que o legislador disse e o que realmente queria dizer. O legislador não conseguiu exprimir totalmente o que queria dizer. O sentido ultrapassa a letra da lei. O espírito da lei vai mais longe do que aquilo que está escrito. Minus dixit quan voluit.

REESTRITIVA: nesta situação o interprete percebe que há uma não correspondência entre o que o legislador disse e o que realmente queria dizer. O legislador disse mais do que realmente queria dizer. Usou uma fórmula bastante ampla para descrever o que realmente pretendia. A çetra da lei ultrapassao sentido desta. Maius dixit quan voluit.

Apesar de fazermos recurso ao direito civil comum e subsidiário, para interpretar as normas do direito do processo, existe todavia uma especificidade da lei processual que é fundamental termos em consideração. Trata-se do facto do processo civil estar impregnado por um conjunto de princípios gerais previstos em muitas das suas normas. Ex.: Princípio do Contraditório (auditur altera pars); o Princípio do Dispositivo (as partes é que conduzem o processo, o juíz é puro árbitro), o Princípio da Igualdade das armas ou das partes (isonomia). E a aplicação destes princípios é fundamental na aplicação da lei processual.

A lei processual deve portanto ser interpretada de forma a não ferir os princípios gerais do processo.

Ex.: O artigo 477º /1 CPC. Quando a PI for irregular, o juiz deverá convidar o autor a corrigi-la. Não existe disposição semelhante em relação a contestação, no entanto para que o princípio da igualdade das partes não seja preterido, a mesma oportunidade será concedida ao réu caso a contestação tenha alguma irregularidade passível de ser corrigida.

1.5 Integração da lacunas na Lei Processual

Tal como em qualquer outro ramo de direito, também no direito processual civil existem lacunas, existem aspectos que o legislador não previu. Em atenção ao artigo 8º CC, em que está consagrada a proibição do ‘non liquet’, isto é, onde está consagrado o poder/dever do tribunal de compor a causa mesmo em caso de lacunas de previsão do legislador. Dito de outro modo, o tribunal não poderá invocando uma lacuna deixar de resolver um litígio. O tribunal está sempre obrigado a julgar.

Caso se verifique uma lacuna nas normas processuais ter-se-á de se recorrer aos critérios estabelecidos pelo Código Civil artigo 10º. Recurso à analogia e caso não for possível, o legislador deve criar uma norma que se adeqúe/enquadre dentro tendo em atenção o espírito e a unidade do sistema jurídico.

As normas processuais deverão ser integradas à luz dos princípios do processo civil.


1.6 Aplicação das Normas Processuais no Tempo

Em relação a este tema, faremos recurso ao artigo 12º CC, segundo o qual “a lei só dispõe para o futuro”, i.e. a lei nova não tem eficácia retroactiva, seus efeitos são ‘ex nunc”.

Como o Processo é uma sequência de actos, significa que os actos processuais já praticados antes da entrada em vigor da nova lei serão respeitados.

Coloca-se a seguinte questão: o que acontecerá se entra em vigor uma nova lei depois da acção já ter sido instaurada, mas a causa ainda não ter sido definitivamente decidida?

Haveria duas soluções possíveis:

1- a nova lei aplicar-se apenas às acções que forem propostas depois da sua entrada em vigor;

2- An nova lei aplicar-se àsa acções que se encontrem pensentes, aos actos que forem nela praticados depois da entrada em vigor da nova lei.

No nosso ordenamento jurídico vigora em relação ao Processo Civil, a posição que consta da segunda solução, i.e., a Lei Processual tem aplicação imediata, portantoa a nova lei será aplicada não só às acções que sejam instauradas posteriormente a sua entrada em vigor, mas também aos actos que ainda tiverem de ser praticados nas acções já pendentes (art.º 142º CPC) – Princípio da Aplicabilidade Imediata da Lei Processual[3].

A forma dos diversos actos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados” (art.º 142º CPC).


Bibliografia

Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1986
António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, 10ª Edição, Almedina, 2008
Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004
Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental Anotado, Almedina, 2006
António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, 10ª Edição, Almedina, 2008Miguel Teixeira de Sousa,
Notas:
[1] Alguns autores discordam da existência de um artigo como o 9º do CC apontando as seguintes críticas:
· As normas sobre a interpretação não se tratam de preceitos jurídicos, mas meramente técnicos;
· Os critérios de interpretação são o que são, independentemente de o legislador os consagrar ou não num determinado ordenamento jurídico;
· Os critérios de interpretação são prévios à norma que os define como deve ser a interpretação (mesmo as normas que definem como deve ser a interpretação também precisariam de ser interpretadas).

Não obstante estas críticas, esta teoria passou a ser minoritária e hoje até se pode falar de unanimidade em relação a necessidade e importância de um artigo, como é o 9º do CC, pois a interpretação não impõe soluções, mas apenas caminhos possíveis, pois assim caberá a lei determinar qual o caminho que deverá seguir cada ordenamento jurídico.

[2] Há ainda outros tipos de interpretação por vós ja estudadas nas cadeiras de Introdução ao Estudo do Direito e teoria Geral do Direito Civl:
· A interpretação gramatical que utiliza as regras da linguística, é a análise filológica do texto (a primeira interpretação que se faz).
· A interpretação lógica serve-se da reconstrução da mens legislatoris para saber a razão da lei (ratio legis).
· A interpretação sistemática verifica a harmonização do texto com o sistema jurídico no qual acha-se inserido. Tem em consideração a Unidade do Sistema Jurídico. Não podendo haver contradições ‘inter se’.
· A interpretação histórica verifica a relação da lei com o momento da sua criação (occasio legis).
· A interpretação histórico-evolutiva verifica a relação da lei com o momento da sua aplicação. As especificidades do tempo em que são aplicadas.
· A interpretação sociológica verifica a finalidade social a que a lei deve satisfazer.

[3] Em direito processual quer seja civil quer penal vigora o principio do Tempus regit actum que è uma locução latina traduzida em italiano "il tempo regge l'atto" e em português por “o tempo rege o acto” por base no qual aplica-se a lei do processo em vigor ao momento da causa. As regras de direito de aplicação da lei no tempo, consagram o princípio tempus regit actum, de modo que a lei processual nova tem eficácia imediata, incidindo sobre os actos praticados a partir do momento em que se torna obrigatória, não produzindo efeitos, todavia, aos actos consumados sob o império da legislação anterior, sob pena de retroagir para prejudicar o direito adquirido, o acto jurídico perfeito e a coisa julgada.

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